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Jul/Ago 2013 

 


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Artigo - ACV: Ferramenta ambiental para decisões corporativas. (Parte II)
Autor(a): Laércio Kutianski Romeiro


Como visto na parte I desse artigo a ferramenta denominada de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) necessita de um grande número de dados sobre os insumos, recursos e materiais utilizados em um sistema de produto para elaboração de um Inventário de Ciclo de Vida (ICV).

Após a coleta das informações para elaboração do ICV, entra-se na etapa de avaliação de impacto conforme a sequência metodológica definida em norma (ver Figura 1 – Parte I), cuja finalidade é entender a significância ambiental dos valores listados no inventário associados às etapas de extração de obtenção de insumos, às emissões emitidas no processamento desses insumos e na preparação do produto analisado. Esses valores refletem a contribuição válida para as condições assumidas no modelo proposto e seus respectivos impactos causados nas áreas de proteção ou nas entidades que desejamos proteger.

No caso de ACV, essas áreas foram identificadas como: saúde humana, meio ambiente natural, recursos naturais e o meio ambiente antrópico. A figura 1 representa um modelamento de impacto e dano desse mecanismo, que pode ser analisada sob mais de um aspecto ambiental ou identificar apenas uma categoria de dano.

A partir da emissão de gases de efeito estufa (GEE), o acumulo desses gases na atmosfera provoca um aumento de absorção da radiação infravermelho causando maior retenção do calor contido na atmosfera que resulta em um amento médio da temperatura do planeta. Uma das consequências é a expansão térmica da água do mar e aumento de precipitações intensas que refletem nos compartimentos denominados solo e mar. A expansão térmica pode causar mudanças regionais decorrentes do aumento do nível médio do mar com consequentes danos às categorias denominadas de zonas costeiras e manguezais inseridos na área de proteção Meio Ambiente Natural. Ao afetar uma área de proteção em maior grau, as mudanças ambientais podem afetar globalmente outras categorias e como consequência atingir outra área de proteção, por exemplo, denominada saúde humana. Indicadores intermediários chamamos de “indicadores Mid Point”.

Simultaneamente, o aumento médio da temperatura do planeta também pode afetar alterações na biodiversidade que podem afetar o uso do solo e/ou o ambiente antrópico e a saúde humana. O mecanismo que afeta uma determinada categoria de impacto, por exemplo, aquecimento global, segue um determinado modelo desenvolvido que representa um consenso entre diversos pesquisadores que identificaram a forma de atuar de um determinado agente causador daquele impacto na categoria analisada através de um fator equivalente de conversão. Como indicado na figura 1, além da categoria de impacto que afeta o aquecimento global inserida na área de proteção Meio Ambiente Natural, o efeito da concentração de CO2 na atmosfera pode alterar outras categorias como, por exemplo, biodiversidade ou recursos naturais culminando com consequências às outras áreas de proteção.

Na figura 1 podemos identificar a representação esquemática do mecanismo ambiental. Definimos como sendo “indicador do ponto médio (Mid Point)” os impactos que ocorrem entre a emissão e o “indicador final (End Point)”.

Figura 1 - Representação esquemática de um mecanismo ambiental subjacente ao modelamento de impacto e dano no AICV. (Adaptado pelo autor da referência Hauschild and Potting, 2005)1

Categorias de Impacto - A partir de um inventário de ciclo de vida é possível elaborar diversos cenários e fazer uma avaliação comparativa para tomada de decisão. Dependendo do método adotado, é possível uma comparação entre diversas categorias de impacto separadamente ou a comparação da soma de todas que resulta no indicador único.
Existem diversas categorias de impactos que possuem metodologia científica desenvolvida com algum consenso entre os diversos grupos de pesquisa e que devem ser escolhidas em função do objetivo do estudo e do método adotado. Veja alguns exemplos:

a) Recursos bióticos e abióticos - Existe uma grande variedade de métodos2 para caracterizar sua contribuição. Basicamente, são métodos que relacionam recursos disponíveis ou reservas versus taxas de extração e os métodos baseados na produção entrópica ou consumo exergético.

b) Uso da terra - Impacto pelo uso da terra é um fluxo elementar que influencia todas as áreas de proteção identificadas pelas ACV. A ocupação e a transformação da terra que está envolvida na agricultura, reflorestamento, mineração e transportes podem ter impactos significativos em todas as áreas.

Diversos métodos têm sido sugeridos na literatura de como incluir o impacto pelo uso da terra, dentre os quais temos o potencial da perda de produção biótica, a perda da qualidade do solo e a perda da biodiversidade.

c) Uso da água - Devido à importância que esse recurso possui para a saúde humana e para os processos industriais, as análises deverão se preocupar com o consumo descontrolado da água e os impactos ambientais que isso poderá provocar, como a redução dos recursos hídricos, perda de biodiversidade, toxicidade humana e ecotoxicidade.

Pesquisa recente do CDP3 indicou 59% das empresas consideram que a escassez de água é um “risco em curto prazo” para as operações diretas ou na cadeia de fornecedores e que 79% indicaram que esse risco pode ocorrer em menos de cinco anos. Percebe-se que a gestão da água deve ser integrada na forma de decidir novos negócios e os bancos de dados e ferramentas para comparação precisam estar em contínuo desenvolvimento.

Necessitando melhorar a comunicação e a classificação mais detalhada da água consumida, novos conceitos relacionados ao recurso natural finito “água” foram introduzidos por alguns pesquisadores4, por exemplo: conceito de água virtual (quantidade de água que é necessária para produzir certo produto), conceito de água azul (quantidade de água captada de mananciais tais como: lagos, rios, reservatórios, poços, etc. – e utilizados em alguma etapa do ciclo de vida do produto), o conceito de água verde (quantidade de água originada por precipitação e evapotranspiração).

Além disso, há a necessidade de um banco de dados sobre a disponibilidade de recursos hídricos por bacia para avaliar o potencial de escassez hídrica regional.

Até meados de 2015 a norma IS0/DIS 140465 deve estar publicada, cujo objetivo é ordenar e definir princípios de declarações de pegada hídrica, cujo ICV de consumo de água deve incluir dados quantitativos e qualitativos dos diferentes tipos de entradas e saídas relacionados.

d) Mudança Climática - O crescimento populacional nas últimas décadas acelerou o processo de consumo de recursos naturais e a emissão de resíduos cresceu a ponto de o planeta Terra não ter tempo de regeneração6. As florestas são cortadas mais rápido do que podem crescer e os estoques de peixes estão diminuindo mais rápidos que podem recuperar.

As emissões de GEE estão acumulando na atmosfera7 e o cenário global de extração de recursos naturais pode crescer ainda mais até 2030 se comparado com o atual8 refletindo nessa categoria de impacto que pode se tornar um grande impeditivo da sustentabilidade. A categoria Mudança Climática se tornou importante para os tomadores de decisão, pois indica a quantidade total de GEE emitidos diretamente e indiretamente por uma atividade ou acumulados pelos estágios de fabricação de um produto, isto é, ao longo do seu ciclo de vida, conforme mostra figura 2. Incluindo aqui atividades de indivíduos, populações, companhias, organizações, processos, setores industriais etc. Em todos esses casos, as emissões diretas (internas, no âmbito da empresa) e indiretas (externas, incorporadas, a montante e a jusante de cada fase) necessitam ser contabilizadas.

Fig. 2 – Ciclo de vida de um produto plástico. (Adaptado pelo autor).

Apesar de o termo utilizado ser “pegada” a unidade de medida não é em termos de área. A quantidade total de GEE é medida em unidades mássicas (kg, t etc.) e quando apenas o CO2 está incluído, a unidade é kg de CO2. Se houver outros GEE incluídos a unidade é kg de CO2-e que corresponde à massa de CO2 equivalente, sendo que são seis tipos de GEE identificados pelo Protocolo de Kyoto e estão incluídos nessa avaliação: CO2, CH4, N2O, HFC, PFC e SF6.

Importante observar que na última década diversos métodos de avaliação de GEE foram desenvolvidos para determinar pegada corporativa e de produtos. Outros métodos foram criados e estão sendo preparados, sendo que todos indicam a necessidade de coletar dados utilizando o principio do “life cycle thinking”, sendo que muitos indicam como referência normativa a IS0 14040:2006.

Temos por exemplo:

- PAS 2050:2011 – Especificação para a avalição de GEE ao longo do CV de produtos e serviços;
- GHG Protocol: 2004 – Norma para contabilidade de GEE Corporativo;
- GHG Protocol Scope 3: 2011 - Norma para contabilidade de GEE na cadeia de fornecedores;
- IS0 14025:2006 – Rotulagem Ambiental Tipo III;
- ISO/DIS 14066 – Exigências de competência para equipes de validação e verificação de GEE;
- ISO/CD 14067 – Quantificação e Comunicação da Pegada de Carbono de Produtos;
- ISO/WD 14069 – GEE – Quantificação e Declaração para GEE para organizações conforme ISO 14064;
- ISO CD 16759 – Tecnologia Gráfica – Quantificação e comunicação para cálculo de Pegada de Carbono de produtos de mídia impressa;

Incertezas e limitações - Conforme mencionado no início deste artigo, a ACV é uma ferramenta para tomada de decisão e precisa de outros métodos e instrumentos complementares dependendo de cada situação específica. A ACV indica as pressões que atuam na vertente ambiental (e: emissões para a natureza e o uso/extração de recursos naturais) e não inclui o efeito direto do uso dos produtos na saúde humana, tais como os cosméticos, alimentos e medicamentos. Da mesma forma, a ACV não engloba os efeitos causados por acidentes, mas apenas o efeito da produção e uso regular dos produtos.

Apesar de a ACV ser uma ferramenta importante para avaliação de aspectos ambientais, é necessário conhecer até onde os resultados e conclusões de um estudo de ACV se aplicam. As limitações9 aqui descritas devem estar relacionadas diretamente ao objetivo e escopo do estudo proposto.

a) Fronteiras - As fronteiras definidas no escopo do estudo delimitam as etapas a serem incluídas ou não no estudo proposto. Portanto, os resultados e as conclusões de um estudo de ACV estão diretamente relacionados à fronteira selecionada e às considerações definidas no objetivo e escopo do trabalho.

Esses aspectos limitam muitas vezes as comparações entre diferentes estudos, pois apenas avaliações comparativas dentro de um mesmo sistema podem ser comparadas. Por exemplo, um estudo pode se restringir apenas as etapas de produção – distribuição – uso (por exemplo, na figura 2) que representa uma parte do CV do produto e, no entanto outros impactos significativos podem ocorrer nas etapas não contabilizadas, pois estão fora da fronteira definida no escopo.

b) Abrangência Geográfica - Um estudo de ACV pode retratar uma região, um estado, uma determinada localidade ou até mesmo um único processo produtivo. O delineamento deve ser claro sobre a sua abrangência, pois irá refletir diretamente no tipo e grau de detalhamento dos dados a serem levantados.

Uma diferenciação entre estudos realizados em diferentes países para um mesmo produto ou serviço é a matriz de geração de energia elétrica, cuja customização deve ser levada em conta para evitar avaliações incorretas decorrentes dos diferentes sistemas de geração de energia existentes e suas respectivas emissões.

c) Extensão Temporal - Esse aspecto está relacionado ao período ou à época na qual os dados foram levantados, procurando refletir as condições, os recursos e o nível tecnológico do país ou região. Por exemplo, um estudo realizado há cinco anos pode não representar as condições atuais, pois aspectos relacionados à aplicação de novas tecnologias, melhorias ambientais e possíveis alterações da matriz energética podem alterar os dados relacionados ao CV do produto estudado.

d) Qualidade dos dados - A etapa que mais demanda tempo em um estudo de ACV é a fase de levantamento de dados e estão diretamente relacionados ao objetivo e escopo definido preliminarmente. Os dados utilizados em um estudo de ACV podem ser provenientes de monitoramento real de um determinado processo de produção (chamado dados primários) ou podem ser calculados ou coletados de estudos divulgados em literatura (chamado dados secundários).

A qualidade dos dados é função de vários parâmetros: representatividade dos dados, fonte dos dados, representatividade da fonte, incertezas das informações, métodos de medição, são os aspectos mais importantes.


Referências:

1 - Hauschild,M.Z,; Potting,J., Spatial differentiation in life cycle impact assessment – the EDIP2003 methodology. Environmental News No 80. The Danish Ministry of the Environment, 2005. EPA , Copenhagen. .
2 - Bösch,M.E., Hellweg, S., Huijbregts,M., Frischknecht,R., 2007. Applying cumulative exergy demand (CExD) indicators to the ecoinvent database. INt.J.LCA 12,181-190.
3 - www.cdproject.net
4 - Hoekstra, Arjen Y., A. Chapagain, M. Aldaya, and M. Mekonnen. 2009. Water Footprint Manual; State of the Art 2009. Published by the Water Footprint Network;
5 - ISO/DIS 14046 – Norma em fase de elaboração pela IS0 que trata dos princípios e requisitos para Avaliação da Pegada Hídrica de produtos, processos e organizações baseado na ACV;
6 - Wackernagel, M., Schulz, N.B., Deumling, D., Linares, A.C., Jenkins, M., Kapos, V., Monfreda, C., Loh, J., Myers, N., Norgaard, R., Randers,
J., 2002. Tracking the eco-logical overshoot of the human economy. Proceedings of the National Academy of Science 99, 9266–9271;
7 - IPCC, 2007. Climate change 2007: the physical science basis. In: Solomon, S., Qin, D., Manning, M., Chen, Z., Marquis, M., Averyt, K.B., Tignor, M., Miller, H.L. (Eds.), Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Inter-governmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.
8 - Lutz, C., Giljum, S., 2009. Global resource use in a business-as-usual world until 2030. Updated results from the GINFORS model. In: Bleischwitz, R., Welfens, P.J.J., Zhang, Z.X. (Eds.), Sustainable Growth and Resource Productivity. Economic and Global Policy Issues. Greenleaf Publishing.;
9 - Mourad,A.L., Garcia, E.E.C., Vilhena, A., Avaliação do Ciclo de Vida : princípios e aplicações , CETEA/CEMPRE, 2002.


 

O autor é Químico Industrial, membro da Comissão de Meio Ambiente do CRQ-IV e um dos fundadores da ABCV. A última parte deste estudo será publicada em edição futura deste periódico. Contatos com o autor: laercio@cicloambiental.com.br.

 





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