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Mai/Jun 2013 

 


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ACV: ferramenta ambiental para decisões corporativas (Parte I)
Autor(a): Laércio Kutianski Romeiro


Fundamentado em uma revisão bibliográfica, este artigo visa introduzir conceitos, evolução e as principais características da Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), ferramenta que permite medir o impacto ambiental potencial de um produto, não se restringindo às etapas de manufatura ou de uso.

O termo “ciclo de vida de um produto” tem sido mencionado com frequência em diversos indicadores ambientais denominados de “pegada”. No âmbito jurídico, temos a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS1), que introduziu novos paradigmas, como: a responsabilidade compartilhada2 e encadeada de todos os envolvidos no ciclo de vida do produto em relação aos resíduos gerados; a introdução da logística reversa, como forma de reduzir o volume de resíduos; e o consumo de recursos naturais. Há, portanto, uma sinergia entre os indicadores de resíduos, o consumo de recursos citados e a metodologia de ACV que abrange todas as etapas de um produto.

Diversas empresas têm como metas ambientais a redução de geração de resíduos sólidos e de emissão de gases de efeito estufa. No entanto, outras companhias ainda estão aguardando os desdobramentos dos acordos e tratados internacionais que sugerem uma regulamentação das políticas internas visando uma redução sistemática e compulsória das emissões.

A metodologia de ACV, conforme referenciada em normas3, é uma ferramenta de gestão ambiental que permite quantificar todos os impactos ambientais potenciais associados aos aspectos4 identificados ao longo do ciclo de vida, isto é, desde a extração e transformação da matéria-prima, manufatura do produto, uso, pós-consumo, incluindo as etapas de transporte, e a gestão do resíduo. Os estudos também devem incluir aspectos relacionados à logística reversa e ao reciclo ou reúso de produtos antes do destino adequado.

A figura 1 representa as entradas e saídas de insumos ao longo do ciclo de vida de um produto, representando todos os aspectos envolvidos ao longo do ciclo de vida que devem ser computados na ACV.

Evolução da metodologia - O life cycle thinking, que trata do “pensar” no ciclo de vida, não é tão recente. Um artigo sobre extração de carvão mineral na Inglaterra, escrito por volta de 1880 pelo biólogo e economista escocês Patrick Geddes5, pode ser considerado um precursor do ciclo de vida.

No século XX, os primeiros estudos – denominados Resource and Environmental Profile Analysis (REPA) – foram produzidos nos EUA, na década de 1960, pelo Midwest Research Institute (MRI) e apenas relacionava o consumo de recursos e de emissões para produção de embalagens, etapa de uma AVC que denominamos hoje de inventário de ciclo de vida, sem a fase de avaliação dos impactos ambientais. Os autores daquele estudo – Hunt, R.G. e Franklim, W6. – foram pioneiros na elaboração de banco de dados e atuam hoje como consultores no grupo norte-americano ERG. Na Alemanha, o primeiro estudo foi realizado em 1972, no Battelle-Institut7, e aplicou a metodologia de Franklin e Hunt com adição da variável custo para um estudo comparativo de embalagens de leite e sacos de polietileno. Outros trabalhos foram feitos na Inglaterra, por Ian Bouested, e na Suécia, por Gustav Sundström8.

Cabe salientar que os primeiros estudos feitos na Suíça, na década de 1970, foram liderados por Paul Fink, do Instituto Tecnológico de Ciência dos Materiais (EMPA). Atualmente, este é um dos centros de estudos que produz os inventários mais utilizados, chamados de Ecoinvent, nos bancos de dados de materiais para estudos de Avaliação de Ciclo de Vida.

O interesse pelo assunto cresceu rapidamente a partir de 1990, quando os grupos citados e outros publicaram vários artigos científicos utilizando diferentes métodos para ACV. A escolha de cada método nem sempre é óbvia ou consensual. Dependendo da escolha, podemos obter resultados que nos levem a tomar decisões inadequadas. O objetivo e o escopo do estudo vai indicar a escolha do método de análise do Inventário de Ciclo de Vida (ICV).

A padronização de escolhas metodológicas não é indicada, pois o método dependerá dos objetivos e do escopo do estudo. Publicações referenciadas neste artigo9  mostram cada vez mais a robustez da técnica, o que favorece o seu reconhecimento como uma das mais importantes para tomada de decisões ambientais, tanto no âmbito privado como para elaboração de políticas públicas.

Algumas iniciativas internacionais oferecem apoio para uso da ACV, como a Life Cycle Initiative (LCI10). Criado em 2002, trata-se de trabalho conjunto entre a UNEP, agência da ONU para o desenvolvimento sustentável, e a Sociedade de Toxicologia e Química Ambiental (SETAC11), entidade sem fins lucrativos com sede nos EUA. Há, ainda, o International Reference Life Cycle Data System12, da Comissão Europeia. Por aqui, temos a Associação Brasileira de Ciclo de Vida13, que busca viabilizar a difusão e a consolidação da gestão, a aplicação da metodologia de ACV no País e apoiar a UNEP.

Metodologia de ACV - Um estudo de ACV necessita apresentar quatro fases: definição de objetivo e escopo, análise de inventário do ciclo de vida, avaliação de impacto e interpretação (figura 02). Essas fases são interativas e podem ser revisadas ao longo do estudo.

A definição de objetivo e escopo inclui os motivos e justificativas para a realização do estudo, qual a aplicação pretendida dos resultados e o público-alvo, conforme a norma recomenda. Nessa fase também precisamos descrever o sistema de produto14, as funções do sistema de produto, que se resume na razão de sua existência e qual a função que ele exerce, as fronteiras do sistema do estudo, que são os limites cujos processos elementares e os fluxos de matéria e energia serão computados, e a unidade funcional. Esta é uma medida quantitativa da função exercida pelo produto ou serviço.

O ICV é a compilação de entradas (recursos) e saídas (emissões) para obtenção do produto ao longo do ciclo de vida em relação à unidade funcional. Esses valores, quantificados, devem apresentar relação a um valor único denominado fluxo de referência, que é calculado a partir da unidade funcional, fundamentado no desempenho do produto para exercer a função definida.

A avaliação de impacto tem o objetivo de avaliar e entender a magnitude e significância das consequências promovidas por um potencial impacto do sistema avaliado nas diferentes categorias ambientais. A conclusão da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) resulta em um perfil caracterizado pelas contribuições nas diferentes categorias de impacto selecionadas denominado Perfil de Impacto Ambiental, conforme descrito na figura 03.

Na primeira fase do estudo foram definidas, dentre outras recomendações, as limitações, as fronteiras do estudo, o público alvo e os objetivos.

A partir dessas informações também é definida uma seleção de categorias de impacto que representarão a interação entre o homem e o meio ambiente e que deverão ser analisadas. A metodologia de ACV organiza os impactos causados por ações antrópicas na forma de categorias, como por exemplo: mudanças climáticas, depleção da camada de ozônio, acidificação, depleção15 de recursos abióticos, eutrofização16, formação de foto-oxidantes, toxicidade humana, ecotoxicidade, entre outros. Após a seleção das categorias de impacto e dos indicadores correspondentes é feita uma classificação dos aspectos ambientais quantificados para as diversas categorias de impacto que cada um deles potencialmente contribui. A magnitude de cada contribuição é denominada caracterização. Como cada categoria é representada algebricamente por uma substância de referência, devemos encontrar um fator de potência (ou fator de equivalência) para cada substância que afetar uma mesma categoria de impacto. Assim, as contribuições de todos os aspectos ambientais estarão expressas em uma mesma base.

Na etapa de interpretação, os resultados das fases anteriores são avaliados em relação ao objetivo e escopo visando elaborar as conclusões. Essa atividade também é interativa e envolve uma possível revisão do escopo do estudo, em função da qualidade e natureza dos dados coletados, para uma conclusão consistente. Faz-se a identificação das questões significativas, as análises de sensibilidade e de incerteza, verificação da completeza e da consistência.

Banco de dados - Um ICV necessita de muitos dados. Essa etapa do estudo será bem trabalhosa caso não estejam disponíveis os dados primários, que são importantes para modelar o sistema em estudo. Outros dados também serão necessários para complementar o cenário proposto.

As ACVs feitas no Brasil utilizam Banco de Dados (BDs) internacionais, pois o País ainda não dispõe de fontes próprias para essa finalidade. As informações colhidas nos BDs são combinadas com diversos softwares específicos para modelagem dos sistemas de produto ou das unidades de processo.

Os BDs são variados e envolvem as etapas de ACV de matérias-primas, geração de eletricidade, processos de transportes, tratamento de resíduos etc. Os BDs mais usados nos estudos de ACV são: ProBas (Alemanha17), SPIEN@ CPM (Suécia18), JEMAI (Japão19), USN REL (EUA20), LCI DB (Austrália21), Ecoinvent (Suíça22) e ELCD (Comissão Europeia). Os países a seguir começaram a desenvolver seus próprios BDs: Brasil, China, Canadá, Tailândia e Malásia. Também há associações internacionais que estão criando BDs para apoiar a demanda de dados primários. Entre elas podemos citar a Associação Europeia de Alumínio23, o Instituto Alemão do Cobre24, o Instituto para Pesquisa de Sistema e Inovação (Alemanha25) e a Federação Europeia de Fabricantes de Papel Corrugado26.


Referências:

1  PERS - Política Estadual de Resíduos Sólidos (Lei 12.300/06 e DE 54.645/09).

2 Art. 5o da PNRS - Os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos são responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos. Parágrafo único.  A responsabilidade compartilhada será implementada de forma individualizada e encadeada.

3 ABNT NBR ISO 14040:2009 e ABNT NBR ISO 14044:2009.

4  A norma ABNT NBR ISO 14001:2004 define aspecto ambiental como: “elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente”.

5 Klöpffer, W.; Grahl, B.; Ökobilanz (LCA): Ein Leitfaden für AUsbildung und Beruf, Wiley-VCH,2009;

6 Hunt and Franklin, 1966 - Nota do autor: F&A (http://www.fal.com) se tornou um Instituto renomado que produziu diversos BD de maternais e atualmente pertence ao grupo ERG;

7 Renner, I.; Klöpffer, W.; Untersuchung der Anpassung von Ökobilanzen an spezifische rfordernisse biotechnischer Prozesse und Produkte, Berlin, 2005;

8 Lundholm, M.P.; Sundström G.;Ressourcen- und Umweltbeeinflussung durch zwei Verpackungssysteme für Milch. Tetra Brik und Pfandflasche. Malmö, 1986;

9 Ref: Guinnée, J; Heijungs, R; Huppes, G.; Zamagni, A.; MAsoni, P.; Ekwall, T.; Rydberg, T.; LCA: Past, Present and Future, Enrironment. Sci. Tec., vol 45, 2011;

10 www.lifecycleinitiative.org

11 UNEP – United Nations Environment Program da ONU / SETAC – Society or Environmental Toxicology and Chemistry;

12  The International Reference Life Cycle Data System (ILCD) Handbook, 2012, www.jrc.ec.europa.eu;

13 www.abcvbrasil.org.br

14 Sistema de produto é conjunto de todas as operações relacionadas com as atividades antrópicas necessárias para elaboração de um produto ao longo do seu ciclo vida e todos os fluxos de matéria e energia que entram e saem dessas operações.

15 Redução de alguma substância ou processo físico, químico ou biológico;

16 Fenômeno causado pelo excesso de nutrientes em rios e lagos, principalmente compostos químicos ricos em P e N, provocando aumento excessivo de algas e diminuindo a concentração de oxigênio dissolvido na água;

17 www.probas.umweltbundesamt.de

18 www.cpmdatabase.cpm.chalmers.se

19 www.jemai.or.jp

20  www.nrel.gov/lci

21  www.rmit.edu.au/architecturedesign/lifecycleassessment

22 www.ecoinvent.org/database

23 www.alueurope.eu/sustainability/life-cycle-assessment


24 www.kupferinstitut.de

25 www.isi.fraunhofer.de/isi-en/e/projekte/159.php

26 www.fefco.org/technical-documents/lca-database
 


O autor é Químico Industrial, membro da Comissão de Meio Ambiente do CRQ-IV e um dos fundadores da ABCV. Contatos podem ser feitos pelo e-mail laercio@cicloambiental.com.br.

 





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