Busca
Faça uma busca por todo
o conteúdo do site:
   
Acesso à informação
Bolsa de Empregos
Concursos Públicos (CRQ-IV)
Consulta de Registros
Dia do Profissional da Química
Downloads
E-Prevenção
Espaços para Eventos
Informativos
Jurisprudência
Legislação
LGPD
Linha do Tempo
Links
Noticiário
PDQ
Prêmios
Prestação de Contas
Publicações
QuímicaViva
Selo de Qualidade
Simplifique
Sorteios
Termos de privacidade
Transparência Pública
 

Jul/Ago 2006 

 


Matéria Anterior   Próxima Matéria

Professor emérito em Agronomia fala sobre a química na produção rural


Leia, a seguir, a íntegra da entrevista sobre a contribuição da química para a produção agrícola concedida pelo engenheiro agrônomo Alfredo Scheid Lopes, professor emérito da Universidade Federal de Lavras(Ufla), ao Informativo CRQ-IV, por e-mail.

Informativo - Gostaríamos de começar fazendo uma comparação entre os fertilizantes produzidos hoje e os que eram usados há 50 anos. Qual(is) a(s) principal(is) diferença(s) entre eles? Os de hoje são mais eficientes? Em caso afirmativo, como foi atingida essa melhor eficiência?

Alfredo Lopes - A grande maioria dos fertilizantes consumidos hoje é fabricada por processos desenvolvidos, basicamente, há mais de cem anos. O sulfato de amônio foi fabricado pela primeira vez em 1840, na Inglaterra, quando, na produção de gás de carvão como um combustível, observou-se que a amônia liberada poderia ser combinada com o ácido sulfúrico para produzir aquele fertilizante. O superfosfato simples, um dos fertilizantes fosfatados mais consumidos no Brasil, foi originalmente desenvolvido por John Bennet Lawes, na Inglaterra, em 1842, atacando fosfatos de rocha e ossos moídos com ácido sulfúrico. Os químicos alemães, Fritz Harber e Carl Bosch, ganhadores dos Prêmios Nobel de Química de 1918 e 1931, respectivamente, são considerados os pais da síntese da amônia e dos fertilizantes nitrogenados.

Entretanto vários desses processos básicos foram aprimorados nas últimas décadas não somente com o objetivo de reduzir o consumo de energia dos processos de fabricação, mas também para melhorar as características químicas e físicas dos produtos finais, reduzir a poluição industrial, aumentar as concentrações dos nutrientes, reduzir os custos para o produtor rural e aumentar a eficiência agronômica.

As principais diferenças de alguns dos fertilizantes atuais em relação aos mais antigos prendem-se, dentre outros, aos seguintes pontos:
  • Desenvolvimento de processos industriais que permitiram a fabricação de fertilizantes contendo dois ou mais nutrientes no mesmo grão e não em apenas grãos separados;
  • Processo de concentração de apatita por flotação, que permitiu o aproveitamento de rochas fosfáticas brasileiras com baixíssimo teor original de óxido de fósforo (P2O5) e altos teores de ferro. O processo foi desenvolvido e patenteado por um brasileiro, Paulo Abib Andery, utilizando amido como depressor do carbonalito e ácidos graxos como coletores da apatita;
  • Fabricação de fertilizantes com a chamada disponibilidade controlada que, dependendo do tipo de produtos químicos utilizados na sua fabricação ou do tipo de revestimento, podem nutrir as plantas por até seis meses com uma única aplicação;
  •  
  • Uso de agentes quelantes, principalmente na fabricação de fertilizantes foliares;
  • Uso de inibidores da uréase que diminuem as possíveis perdas de NH3 por volatilização quando do uso da uréia;
  • Produção do ácido superfosfórico e polifosfatos de amônio, o que levou a um grande aumento na produção e uso de fertilizantes na forma líquida ou em suspensão;
  • Início da produção e do aumento na aplicação direta de amônia anidra e outros fertilizantes líquidos.
Informativo - Os números da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que, na década de 1970, a produtividade média de grãos no Brasil (base matéria seca) era de 1.200 kg por hectare. Na safra 2003/2004, média subiu para 2.800 kg por hectare. Qual o papel dos produtos desenvolvidos com a ajuda da química, particularmente fertilizantes e defensivos, na obtenção desses resultados?

Alfredo Lopes - Existe um estreita correlação entre o aumento do uso eficiente de fertilizantes minerais e o aumento da produtividade e da produção de grãos nesse período, mas isso não é tudo. A contribuição da química nesse período, além de melhorar os fertilizantes minerais nos mais diferentes aspectos, foi também marcante no aprimoramento das técnicas de diagnose da fertilidade do solo e da nutrição mineral de plantas, que envolvem análises químicas em laboratórios dos mais sofisticados, assim como das recomendações de adubação para se atingir a produtividade máxima econômica e também sustentável na agricultura brasileira. No que diz respeito aos defensivos, os maiores avanços foram em relação à criação de novas moléculas, mais eficientes em relação ao alvo, menos agressivas em relação ao homem e ao ambiente e na maioria dos casos biodegradáveis.

Informativo - Materiais orgânicos como esterco, restos vegetais e rochas moídas conseguem fornecer ao solo, por si só, todos os nutrientes de que a planta necessita para se desenvolver?

Alfredo Lopes - Dificilmente esses materiais podem fornecer todos os nutrientes de que as plantas necessitam para se desenvolver. A grande maioria desses materiais apresenta concentrações muito baixas dos macronutrientes primários e secundários (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre) e apenas traços dos micronutrientes (boro, cobre, cloro, ferro, manganês, molibdênio e zinco). Além disso, quando presentes, esses nutrientes não se encontram balanceados de acordo com as necessidades das plantas superiores. Isto não quer dizer que esses produtos não são importantes numa agricultura tecnificada e que devam ser deixados de lado. Principalmente em relação aos estercos e restos vegetais, esses produtos são importantes no processo de manutenção da matéria orgânica do solo, um atributo importante para a sustentabilidade da produção e a diminuição da degradação dos solos. A propósito, o calcário, fosfatos naturais e fertilizantes potássicos, dentre outros, são obtidos de rochas moídas.

Informativo - Com o manejo orgânico, é possível obter os mesmo índices de produtividade das lavouras que adotam sistemas de produção convencionais? Por quê? Em caso afirmativo, seria então o caso de se estimular a produção orgânica?

Alfredo Lopes - Existem alguns experimentos comparando a adubação orgânica com a adubação mineral em que foi possível alcançar até maiores produtividades com a adubação orgânica. O mais antigo que eu conheço teve início em 1843 na Estação Experimental de Rothamsted na Inglaterra e está sendo conduzido até hoje. De 1979 até 1983, 150 anos após o início desse estudo, os resultados médios de produtividade de trigo sarraceno, durante esses cinco anos, mostram que 35 toneladas de esterco de curral por hectare por ano, durante 150 anos, levaram a uma produtividade de 5,9 toneladas por hectare; o uso exclusivo de adubo mineral (96 kg de nitrogênio, 36 kg de fósforo e 90 de potássio, todo ano e 15 kg de sódio e 36 kg de magnésio a cada três anos – durante 150 anos) produziu 5,7 toneladas por hectare. O balanceamento das 35 toneladas de esterco com 96 kg de nitrogênio por hectare, cada ano, produziu 7,9 toneladas de trigo por hectare para a média desses cinco anos. A mensagem é muito clara: os dois tipos de fertilizantes se completam.

Quanto a estimular a produção orgânica, isso é outra coisa. O que deve ser estimulado não é a produção orgânica de “per si” e sim estimular o uso de materiais orgânicos em todos os tipos de produção, pelos benefícios adicionais que esses produtos podem trazer à sustentabilidade de todos os processos de produção. Além disso, com a reciclagem desses materiais orgânicos, pode-se contribuir decisivamente para a manutenção da matéria orgânica do solo e reduzir consideravelmente a possível poluição decorrente da não utilização inteligente desses produtos.

Informativo - Do ponto de vista agronômico, defensivos e fertilizantes químicos, quando usados de modo correto, deixam resíduos nos alimentos?

Alfredo Lopes - É preciso deixar claro um ponto. Fertilizantes minerais são alimentos para as plantas e, na sua essência, quando sofrem solubilização no solo, os nutrientes oriundos dos fertilizantes minerais não são diferentes dos fertilizantes orgânicos. Em outras palavras, as plantas não conseguem separar se os nutrientes de que precisam foram fornecidos pelos fertilizantes orgânicos ou minerais. Defensivos são produtos químicos utilizados para combater pragas, doenças e ervas daninhas que atacam as plantas ou são danosas para o seu desenvolvimento e produção.

Como conseqüência, os fertilizantes minerais, utilizados de maneira adequada, sob orientação agronômica, não deixam resíduos nos alimentos. Já com os defensivos a probabilidade desses produtos deixarem resíduos nos alimentos é maior, principalmente em razão de um grande número deles ser aplicado sobre as partes comestíveis. Entretanto, mesmo no caso dos defensivos, houve uma grande evolução em relação aos seus princípios ativos, tornando a maioria específica para determinadas pragas e doenças e biodegradáveis no curto prazo para produtos inócuos. Desse modo, mesmo no caso dos defensivos, seguindo-se as instruções de uso e, acima de tudo, o tempo de carência entre a aplicação e a colheita dos alimentos, a possibilidade da presença de resíduos é muito mais exceção do que regra.

Informativo - Adeptos da produção orgânica afirmam que seus alimentos são mais saudáveis do que os convencionais. O senhor concorda com essa afirmação? Por quê?

Alfredo Lopes - Essa é realmente uma propaganda enganosa que deve ser repudiada pelos seguintes motivos:
  • Não há nenhuma evidência cientifica de que produtos orgânicos são mais saudáveis do que os produtos convencionais. Pior ainda: quando uma repórter de televisão, ao fim de uma matéria sobre produtos orgânicos, aponta para a prateleira do supermercado dizendo que esses produtos têm 50% mais minerais e vitaminas que os produtos convencionais, fica muito difícil fazer com que a verdade prevaleça.
  • Ao separar produtos orgânicos dos convencionais em termos de uma propaganda enganosa, dizendo que os últimos são químicos e os primeiros, não, comete-se um erro conceitual. A própria química se divide em dois grupos: a Química Orgânica, que estuda o carbono, o hidrogênio e o oxigênio, seus compostos e reações, e a Química Inorgânica, que estuda os demais elementos, seus compostos e reações. Portanto, produtos orgânicos são também químicos;
  • Os produtos orgânicos existentes no mercado, na realidade, não são totalmente orgânicos, pois vários produtos químicos são permitidos para a sua produção, por exemplo: a) a calda bordalesa, um dos fungicidas mais antigos, é produzida com sulfato de cobre e hidróxido de cálcio, que são produtos químicos; b) o cloreto de potássio não pode ser utilizado na produção de alimentos orgânicos, mas o uso do sulfato de potássio é permitido e ambos são fertilizantes minerais; c) fertilizantes contendo micronutrientes na forma de sulfato ou cloreto, ambos produtos químicos, podem ser utilizados.
  • A mídia, principalmente a televisão, no meu modo de ver, presta um desserviço à nação, ao afirmar que os produtos orgânicos são mais saudáveis, pois indiretamente o conceito errôneo que fica é que tudo o que é orgânico e natural é bom e saudável e tudo o que é químico é danoso ao homem e ao ambiente.
  • Ao deixarmos denegrir indiretamente a imagem da chamada agricultura convencional, que utiliza produtos químicos, estamos dando um tiro no pé por esquecermos de três pontos fundamentais para a nação brasileira: a) Em termos ambientais: ao passarmos de 49,6 milhões de toneladas de produção das 16 principais culturas no Brasil, base seca, em 1970/1971, para 190,7 milhões em 2003/2004 (aumento de 3,8 vezes), muito mais pelo aumento da produtividade (de 1,4 para 3,3 toneladas por hectare - aumento de 2,6 vezes) do que pelo aumento da área cultivada (de 38,0 para 57,6 milhões de hectares – 1,5 vezes) deixamos de desmatar o equivalente a 80 milhões de hectares para atingirmos os índices atuais de produção; b) Em termos econômicos: o agronegócio brasileiro alcançou, em 2004, R$ 534 bilhões, o que representa 33% do Produto Interno Bruto de R$1.776 bilhões e, além disso, representou 37% dos empregos e 40% das exportações; c) Em termos sociais: em janeiro de 2000, o índice de preços reais dos produtos da cesta básica caiu para 1/3 daquele de setembro de 1975, mostrando uma queda linear nesse período. Essa foi talvez a maior contribuição que agricultura convencional proporcionou ao Brasil e aos brasileiros, principalmente ao segmento de baixa renda da população. Nada disso teria ocorrido sem a evolução da química, sem a evolução dos fertilizantes minerais e defensivos.




Relação de Matérias                                                                 Edições Anteriores

 

Compartilhe:

Copyright CRQ4 - Conselho Regional de Química 4ª Região