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Nov/Dez 2014 

 


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Redução da evaporação de água por filmes monomoleculares
Autor(a): Marcos Gugliotti


A evaporação causa enormes perdas da água doce de reservatórios, como lagos e represas. No Nordeste brasileiro, esse fenômeno aumenta a salinidade da água dos açudes e impede seu uso antes mesmo desses reservatórios secarem. Em entrevista em novembro deste ano ao jornal O Estado de S. Paulo, Blanca Jiménez Cisneros, diretora da Divisão de Ciência da Água da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (Unesco), afirmou que, dependendo da região, as perdas de água por evaporação podem chegar a 40%. Este artigo apresenta um breve relato de uma interessante aplicação da Química para mitigar esse problema, descrevendo os resultados obtidos com um produto nacional que já se encontra em condições de ser comercializado.

Clique na imagem para ampliá-la.

A evaporação nos reservatórios pode ser reduzida por diferentes métodos. Isso não interfere no ciclo hidrológico, uma vez que a evaporação continua a ocorrer, mas numa velocidade menor. E o volume de água que acaba sendo retido por mais tempo nos reservatórios é desprezível quando comparado ao volume de água da atmosfera. Cabe lembrar que 97,5% da água do planeta estão nos oceanos, enquanto que os 2,5% de água doce restantes estão distribuídos conforme gráfico abaixo. Como se nota, a água acessível de rios e lagos representa uma parcela ínfima.

A instalação de quebra-ventos, de dispositivos para sombreamento ou a cobertura da água com placas e lonas são os métodos mais comuns para reduzir a evaporação. Porém, eles são inviáveis para reservatórios maiores, como aqueles usados para abastecer a população.

Outra opção para reduzir perdas desse tipo é por meio do espalhamento de filmes ultrafinos sobre a água, especialmente os filmes monomoleculares, com a espessura de apenas uma molécula. Além de produzir um efeito de barreira, esses filmes atenuam as ondas e diminuem a área de superfície líquida exposta ao sol e ao vento, reduzindo assim a evaporação.

O uso desses filmes começou a ser estudado há 90 anos e foi demonstrado que os álcoois graxos, de origem vegetal, formam sobre a água um filme monomolecular de baixa toxicidade capaz de reduzir a evaporação sem afetar as trocas de O2 e CO2 com a atmosfera. Testes de campo, iniciados pelos australianos na década de 1950, mostraram que a redução da evaporação com esses filmes pode chegar a 50%.

Há pelo menos dois produtos que formam filmes redutores da evaporação de água sendo comercializados nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na Europa. O mais conhecido deles utiliza os álcoois graxos para formar o filme e a cal hidratada [hidróxido de cálcio, Ca(OH)2] como veículo. Seu fabricante afirma que, com aplicações diárias na dosagem de 0,35 kg por hectare, é possível reduzir em cerca de 30% a evaporação de água. Em julho deste ano, esse produto foi aprovado para uso no reservatório de água para abastecimento público de uma cidade no Texas (EUA). Mas apesar de estar no mercado há mais de dez anos, ele ainda tem pouca aceitação, provavelmente por sua fórmula incluir cal hidratada, que é cáustica.

Brasil - Até o início dos anos 2000, existiam poucos estudos acadêmicos sobre esse tema. Entretanto, a estiagem de 2001, que afetou severamente as hidrelétricas e provocou racionamento de energia, motivou este pesquisador a desenvolver um novo produto para reduzir as perdas por evaporação em reservatórios. Contando com financiamento da Fapesp e apoio de laboratórios do Instituto de Química da USP, que permitiram o acesso a equipamentos, o projeto teve início em 2004 e foi concluído com sucesso em 2007.

Já patenteado, o produto brasileiro é um pó fino que também usa os álcoois graxos para formar o filme, mas emprega calcário agrícola como veículo. Além de facilitar o espalhamento do filme, o calcário possui toxicidade bem menor que a cal hidratada usada no produto similar estrangeiro.

Para chegar à nova formulação, foram testadas cerca de 90 amostras e diferentes veículos, verificando-se não apenas a capacidade de redução da evaporação como também a habilidade do filme em se espalhar sobre a água. Em laboratório, testes de 24 horas em pequenos frascos mostraram boa reprodutibilidade, com reduções da evaporação variando entre 20% e 30% e entre 50% e 60% para diferentes lotes de amostras, em diferentes condições. Testes com duração de semanas em tanques ao ar livre indicaram maiores variações, de 16% a 44%, o que é esperado devido ao vento e outras condições do clima.

Após definida a formulação, amostras foram enviadas a dois laboratórios certificados (Tecam e Bioagri), cujas análises confirmaram que o produto é biodegradável e apresenta pouca ou nenhuma toxicidade para peixes e outros animais, mesmo nas máximas concentrações avaliadas.

Em 2005, foi realizado um estudo de impacto ambiental de 48 horas (teste agudo) em área isolada na represa do Broa, em São Carlos, com apoio do Instituto Internacional de Ecologia, uma empresa que é referência em serviços de gerenciamento de recursos hídricos. Além de não ter detectado alterações na qualidade da água, o teste mostrou que 0,5 kg do produto foi suficiente para recobrir 1 hectare. Porém, para garantir melhores resultados, recomenda-se 1 kg/ha (ou 100 kg/km2), com reposição a cada 48 horas, em média. A reposição do produto pode variar de acordo com as condições climáticas, podendo ocorrer em intervalos maiores.

M. Gugliotti
Nesta foto observa-se uma região mais "lisa" na superfície da água de um lago. É nela que o filme está se espalhando. Esse efeito de atenuação das ondas é um dos principais fatores que resulta na diminuição da taxa de evaporação da água


Eficiência
- Um teste de eficiência de duas semanas foi realizado no espelho d’água de 13 mil m2 do Congresso Nacional, em Brasília. Após três aplicações manuais do produto em dias alternados, totalizando 3,9 kg, a evaporação foi reduzida em 21%, gerando economia de 80 mil litros. Análises feitas antes e depois da aplicação não indicaram alterações significativas na qualidade da água.

Em lagos pequenos, de até três hectares, a aplicação pode ser manual a partir das margens e a favor do vento. Em lagos maiores, de até 1 km2, aplica-se o produto com um pulverizador agrícola acoplado em barco. Para reservatórios gigantes, recomenda-se o uso de aeronaves.

Testes feitos no exterior comprovaram a eficiência e a segurança do uso dos filmes na redução da evaporação. Por exemplo, no maior lago testado, o Lago Hefner (EUA), com 10 km2, a cobertura de apenas 10% de sua superfície durante três meses no verão e sob fortes ventos reduziu em 9% a evaporação. Nesse teste, foram feitas 55 aplicações de álcool graxo totalizando cerca de 20 toneladas. Não foram observados efeitos nocivos ao meio ambiente e a estação local de tratamento de água não foi afetada.

Um estudo australiano de 2008 mostra resultados de testes de longa duração com eficiência ainda melhor. Por exemplo, um teste de 2,5 anos no Lago Corella (Austrália), com área de 2,4 km2, resultou na redução de 20% na evaporação.

Esse mesmo estudo apresenta uma simulação de custo com o uso do produto estrangeiro, similar ao brasileiro, na barragem Wivenhoe (Austrália). Considerando uma área de 75 km2, aplicação com dispensadores flutuantes nos três meses do verão e assumindo redução anual de 6% na evaporação, a economia seria de 7 bilhões de litros de água ao custo de R$ 0,46 para cada mil litros não evaporados. Para uma redução de 40% (economia de 23 bilhões de litros), o custo seria de R$ 1,49 (obs.: os valores obtidos na simulação foram 0,21 e 0,68 dólares australianos em 2008. A conversão para a moeda brasileira considerou a cotação de novembro de 2014 e não incorporou nenhuma outra correção).

Notícia de novembro deste ano do Portal G1 sobre o uso da dessalinização como alternativa para abastecer São Paulo aponta um custo médio de R$ 2,55 para cada mil litros de água. Comparando com os valores do estudo australiano, fica evidente a vantagem econômica do método dos filmes, que pode ser ainda mais barato para reservatórios de até 1 km2, o que inclui milhares de açudes e lagos do Brasil. Além disso, é muito mais viável aplicar um filme sobre a água antes e durante a estiagem do que transportar água de outras fontes ou comprar caminhões-pipa quando um reservatório secar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aquecimento global vai reduzir a água potável, diz diretora da Unesco”, O Estado de S. Paulo, 03/11/2014.

M. Gugliotti, “Estudo do impacto ambiental e do espalhamento de um filme ultrafino na superfície de uma represa”, XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007.

M. Gugliotti, “Redução da evaporação de um espelho d’água de 13.000 m2 por filmes monomoleculares”, I Simpósio de Recursos Hídricos do Sul-Sudeste, 2006.

“Agencies Report on Lake Hefner, Oklahoma, Evaporation Reduction Studies”, Department of the Interior, USA, 1959.

Evaporation Reduction by Monolayers: Overview, Modelling and Effectiveness”, Urban Water Security Research Alliance, Technical Report Nº. 6, Austrália, 2008.

Custo e estratégia são desafios para dessalinização em SP, diz especialista”, Portal G1, 07/11/2014.


 

Engenheiro Químico formado pela Faculdade de Engenharia Industrial, de São Bernardo do Campo/SP, com Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado em Físico-Química de Superfícies pela USP, o autor atua como consultor em Pesquisa e Desenvolvimento pela Gugliotti Consultoria Empresarial Ltda. Ele está em busca de parcerias para produção industrial do produto descrito neste artigo, para o qual, diz, já existem pedidos do Brasil e do exterior. Contatos: e-mail marcosgugliotti@hotmail.com.

















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