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Mai/Jun 2010 

 


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A Química e a Análise Sensorial: razão e sensibilidade
Autor(a): Jorge Behrens


Visão, audição, paladar, tato e olfato. Quando crianças, nós aprendemos sobre os cinco sentidos e que os utilizamos para perceber o mundo à nossa volta. Cores, cheiros, sabores, gostos, sons, calor, frio, sensações táteis, enfim, somos bombardeados por estímulos ambientais o tempo todo e o que nos difere de outros animais é a nossa capacidade de interpretar esses estímulos e dar-lhes significado. Aliás, o significado dos eventos vivenciados e memorizados no curso de nossas vidas somente têm sentido graças às emoções a eles associadas.

Sempre encontro pessoas que me perguntam sobre minha profissão e que se surpreendem com uma profissão um tanto fascinante, mas ainda desconhecida: a Análise Sensorial. Daí, procuro usar minha habilidade de professor e explicar o que faço e sua aplicabilidade. Então, vamos lá, o que afinal é isso?

A Análise Sensorial é definida como a disciplina científica usada para evocar, medir, analisar e interpretar as impressões causadas por alimentos e materiais nos órgãos dos sentidos. Note que há uma referência aos alimentos porque a Análise Sensorial originalmente surgiu na indústria alimentos e bebidas nas primeiras décadas do século XX. Porém, tem havido nos últimos anos um crescente interesse de outros segmentos industriais pelos métodos sensoriais, segmentos como personal care, cosméticos, fármacos, papel, têxteis e até automóveis e aeronaves. E por quais motivos? Os que já bem conhecemos: desenvolver produtos que satisfaçam as expectativas e preferências dos consumidores e garantir um determinando padrão de qualidade dos mesmos.

Antes de apresentar os métodos da Análise Sensorial, creio ser necessário tratar ainda de sua conceituação. Sendo uma disciplina, a Análise Sensorial segue o método científico, ou seja, o caminho sistemático para estudar um fenômeno. Neste sentido, um método sensorial adequado deve atender a uma questão formulada sobre tal fenômeno (por exemplo, há diferença geral entre os produtos? Em que atributos eles são similares e diferentes? Há preferência?), ser descrito e reprodutível, propor uma hipótese, ser controlado para testar a validade dessa hipótese e ter uma forma de análise apropriada dos dados obtidos.

A interpretação dos dados é a busca das causas do fenômeno observado, o que permite as conclusões e formulações de novas hipóteses. Isso tudo pode parecer um tanto “acadêmico”, mas é exatamente o que um analista faz em sua rotina laboratorial.

Ao evocar o método científico, minha intenção é desvincular a Análise Sensorial daquelas cenas típicas de comerciais de televisão nos quais as pessoas tentam adivinhar qual é a marca da cerveja que estão tomando ou dos “testes cegos” com pessoas vendadas degustando presunto. Na verdade, essas cenas são criações de publicitários no intuito de aumentar a dramaticidade e o poder de convencimento de suas mensagens!

Acabei de mencionar “adivinhação” e “testes cegos” e isto me conduz a outras questões cruciais em Análise Sensorial: sua base científica psicofísica e psicológica e a forte base estatística no delineamento experimental e a análise dos dados. O delineamento experimental é a atuação planejada do experimentador, ou seja, como ele aplica um teste sensorial corretamente para obter os dados que necessita.

Há vários fatores de ordem fisiológica e psicológica que podem influenciar as respostas dos sujeitos de um teste sensorial, além de variáveis ambientais como iluminação, temperatura e umidade relativa, odores e ruídos da área de testes. A forma como as amostras são apresentadas (quantidade, forma de preparo, temperatura de serviço etc) também representam fontes de variação. Por isso, testes sensoriais normalmente são realizados em laboratórios ou áreas que ofereçam o mínimo de conforto e controle das condições ambientais adequadas.
 
E quanto aos testes serem cegos, isto significa que sempre codificamos as amostras de forma que os avaliadores não saibam a marca ou tenham informação demasiada sobre o teste. Assim, não se criam expectativas, nem se estimulam as respostas.
 
Quanto ao método a ser aplicado, o experimentador deve ter definido o que ele quer avaliar, a questão central do teste.  Há três grupos de métodos sensoriais com diferentes aplicações e frequentemente encontro profissionais utilizando-os de forma equivocada. Eis os métodos:

Métodos de diferença: São testes com duas amostras (comparação pareada, duotrio, triangular) ou mais (dois-em-cinco, ordenação, diferença-do-controle) utilizados em situações nas quais o experimentador deseja simplesmente saber se existe diferença entre as amostras, de forma global ou direcionada (cor, sabor, aroma etc). Alguns destes testes são simples, rápidos e necessitam de apenas alguns indivíduos selecionados, como os testes de comparação pareada e o triangular. Já o teste de diferença-do-controle usa uma escala para medir o grau de diferença entre a amostra-teste e uma amostra controle sendo, portanto, um teste mais informativo e mais apropriado a controle de qualidade ou estudos de shelf-life (tempo de validade de um produto).

Métodos descritivos: são métodos que descrevem e quantificam similaridades e diferenças entre produtos. A Análise Descritiva Quantitativa (ADQ), o Perfil de Textura e o Perfil Livre são exemplos desses métodos. Necessitam de equipes de avaliadores selecionados e treinados, podendo-se utilizar glossários de termos descritivos já estabelecidos (e seus materiais de referência) ou deixar que o próprio avaliador crie seu vocabulário descritivo. A estatística – uni ou multivariada – é fundamental na análise dos dados oriundos de métodos descritivos, desde a seleção da equipe  de avaliadores até a geração de perfis e mapas sensoriais. Os métodos descritivos encontram aplicação em garantia de qualidade, P&D e benchmarking (processo de comparação de sistemas ou processos) e seus resultados podem ser correlacionados com medidas instrumen- tais e dados de consumidores, por exemplo, para estabelecer os atributos-chave em controle de qualidade. 

Métodos afetivos: são realizados com consumidores, em laboratórios, em outros locais onde se encontra o mercado de interesse ou mesmo no próprio domicílio do consumidor. Os testes afetivos avaliam o grau de aceitabilidade (escalas hedônicas) ou a preferência (escolha forçada, como pareado e ordenação) entre dois ou mais produtos. Em pesquisa de mercado, é comum associar medidas de atitude e intenção de compra aos testes afetivos.

Pelo exposto, cada tipo de método tem uma filosofia diferente e necessita de avaliadores selecionados e/ou treinados ou consumidores. A seleção e treinamento de avaliadores sensoriais é um fator especialmente crítico em algumas situações, como controle de qualidade de insumos ou produtos acabados, uma vez que deverão aprender parâmetros sensoriais de qualidade – chamados atributos-chave – e utilizá-los para julgar o nível de qualidade do produto, liberando ou não o produto para o mercado.

Por outro lado, testes afetivos requerem consumidores que, via de regra, não têm conhecimento técnico sobre o produto, a não ser experiência, expectativas e preferências. Testes com consumidores devem ser bem delineados sob o risco de não se avaliar o produto pelo consumidor que realmente interessa, ou seja, o mercado-alvo.

Tendo-se escolhido o teste e coletado os dados é necessário utilizar uma técnica estatística apropriada para analisá-los. Um bom analista sensorial deve conhecer os métodos estatísticos básicos, bem como a natureza dos dados obtidos. Dados categóricos e ordinais exigem estatísticas não-paramétricas, enquanto os dados de razão e intervalo são analisados através de métodos paramétricos. Infelizmente, a Estatística ainda é um desafio para alguns profissionais, o que inibe o uso de métodos sensoriais em seu cotidiano na indústria e mesmo na academia.

Outro desafio é o uso de métodos estatísticos multivariados que possibilitam estudar a relação entre variáveis sensoriais e instrumentais e buscar relações entre elas. Mapas de preferência, análise fatorial, análise de regressão múltipla são alguns exemplos de técnicas estatísticas multivariadas.

Finalmente, a interpretação dos resultados de uma avaliação sensorial depende dos conhecimentos do analista sobre o(s) produto(s). Há uma interpretação estatística, ou seja, se diferenças significativas existem e qual hipótese é aceita. Mas também há a interpretação à luz da composição, da tecnologia e de outras características do material avaliado. Sempre recomendo que o experimentador não seja um mero “aplicador de testes”, mas que se envolva no projeto e, como um investigador, tenha o máximo de informação sobre os produtos para delinear um teste que tenha validade e interpretar coerentemente os resultados.

Qual a relação entre a Química e a Análise Sensorial?

Imaginemos um vinho tinto que se encontra à venda no mercado. Do ponto de vista químico, podemos defini-lo como uma solução de álcool etílico em água entre 10% e 13%. Podemos, também, tratá-lo como uma mistura de vários componentes como água, alcoóis, ácidos carboxílicos, hidrocarbonetos, cetonas, ésteres, aldeídos, compostos polifenólicos, minerais etc. Podemos, ainda, descrever suas propriedades físico-químicas como densidade e pH. Enfim, conseguimos caracterizá-lo física e quimicamente através de métodos ditos “objetivos” e neste caso obteremos números com um certo significado. Agora, vamos tomar o vinho, degustá-lo. Podemos percebê-lo e caracterizá-lo como ácido, suave ou doce, com sabor alcoólico, adstringente, de cor vermelha (púrpura, tijolo, clara, escura etc.), aroma frutado, herbáceo, amadeirado. “Ligeiro de boca” (isso é com os enólogos!) ou denso. A descrição sensorial é tida por alguns como subjetiva, já que depende da acuidade e pode variar de pessoa a pessoa (Cuidado: equipes treinadas em atributos bem definidos e referenciados atuam como verdadeiros aparelhos!).

O que temos nesta segunda descrição do vinho, a sensorial? Simplesmente uma tradução da composição química e características físicas da bebida em percepções sensoriais. Percebemos as cores vermelhas e não comprimentos de onda. O trânsito de prótons através das membranas das células gustativas não dão uma medida de pH, mas de gosto ácido e sua intensidade. O sabor característico do vinho é um fenômeno químico complexo resultante da interação de substâncias voláteis (os aromas), dos gostos e de sensações provocadas pelo álcool, ácidos, polifenóis, entre outros, na mucosa bucal. Olfato e gustação são, por definição, sentidos químicos!

A analogia acima pode ser feita com outros produtos cujas propriedades sensoriais são importantes na qualidade percebida. A textura de um creme cosmético, a fragrância de produtos de higiene e limpeza, a sensação térmica proporcionada pelo vestuário ou em um ambiente climatizado, enfim, tudo o que percebemos através dos sentidos e influenciam a avaliação de qualidade, aceitação e conforto. Em alguns casos, a legislação menciona atributos sensoriais entre os padrões de qualidade e identidade de um produto.

Resumindo, com a Química estudamos a composição da matéria, suas qualidades primárias dadas à razão. Com a Análise Sensorial, avaliamos formalmente um produto através das impressões que nos causam, ou seja, suas características secundárias, derivadas das primárias dadas aos sentidos. Assim, vejo a Química e Análise Sensorial como uma relação entre razão e sensibilidade.
 


 

Bacharel em Química pela Unicamp e doutor em Tecnologia de Alimentos, o autor atua como consultor. Contatos pelo site
www. jorgebehrens.com.

 

 

 

 

 

 

Imagens: SXC





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